matéria retirada do site http://www.prorim.org.br/site/artigos/ver/i/12 por: Claudia Tavares Ruggi
O enfrentamento das incapacidades e perdas geradas pela doença crônica:
um estudo de portadores de insuficiência renal crônica em hemodiálise.
O tratamento hemodialítico constitui-se em recurso
terapêutico bastante difundido no tratamento da insuficiência renal crônica. A
avaliação do processo de adoecimento do paciente renal crônico a partir de seu
próprio convívio com a doença e tratamento hemodialítico identificou que estes
pacientes utilizam estratégias de enfrentamento que envolvem “esforços
intrapsíquicos”, “voltar-se para os outros” e também a “ação direta”, em
decorrência das perdas e incapacidades geradas pela doença (perda do poder
físico, perdas sociais, econômicas, sexuais, perda da liberdade e
privacidade).
Constatou-se que não é fácil, tanto para o paciente
como para os familiares, “habitar” ou conviver com uma doença crônica (a
insuficiência renal crônica), que se caracteriza atualmente por um curso
demorado, podendo ser progressiva, eventualmente fatal ou resultar em diversos
prejuízos, requerendo tratamentos dialíticos prolongados, rigorosos, freqüentes
e dispendiosos, facilitando sentimentos de impotência, desânimo generalizado e
sensação permanente de ameaça à integridade corporal do paciente.
Além disso, o tratamento hemodialítico evoca uma
questão paradoxal para o paciente: como um tratamento pode ser tão
desprazeiroso? Acresce-se a questão da desinformação o que aumenta os efeitos
ansiogenos gerados pela vivência da doença e do tratamento aos pacientes.
Assim, verificou-se neste estudo que o doente renal
crônico luta para entender e aceitar sua doença, procurando incansavelmente,
através de estratégias de enfrentamento, compreender a doença e seu respectivo
tratamento.
A atual tendência da Psicologia e das ciências
voltadas para a área da saúde é considerar o homem como um ser no mundo, dentro de uma perspectiva holística que integre três
esferas biológica, psicológica e social, que são interdependentes e só podem
ser compreendidas uma em função da outra.
Assim, o profissional de saúde deveria pensar no
doente como um ser humano dotado de corpo e alma e que naquele momento de sua
vida necessita de cuidado pessoal e especial. Nesse sentido, o apoio psicológico no tratamento do
paciente portador de insuficiência renal crônica é um aspecto fundamental em
todo o programa terapêutico eficaz e humano, tendo em vista as múltiplas
situações difíceis e ameaçadoras que esse paciente atravessa na vivência da
doença.
O psicólogo que atua no hospital geral trabalha com o
ser doente, que a todo momento procura resgatar sua essência de vida, interrompida
pela ocorrência do fenômeno doença. Além disso, firmada na posição humanística
de especial atenção aos pacientes e familiares, o psicólogo hospitalar
considera a pessoa humana em sua globalidade e integridade, única em suas
condições pessoais, com seus direitos humanamente definidos e respeitados.
Deste modo, o psicólogo que atua na unidade de diálise
procura ser o intermediário psicológico, buscando atingir a compreensão das
relações entre profissionais, entre profissionais/pacientes e profissionais/família,
pois muitas vezes a angústia ou a depressão do paciente renal crônico refere-se
à destruição do corpo, sofrimento, invalidez, medo do tratamento hemodialítico,
gerando, então, dificuldades na relação médico - paciente. Além disso, deve-se
considerar a história de vida do paciente como referencial para suas atitudes
de enfrentamento e relações.
O psicólogo junto ao paciente portador de
insuficiência renal crônica em tratamento hemodialítico deve procurar
investigar a vivência do doente, identificando o que se passa na consciência
deste a partir do momento em que passa a conviver com uma doença crônica,
através de uma relação envolvente, empática e flexível, visando um encontro
real e se afastando da postura impessoal que permeia o atendimento psicológico
clínico tradicional.
A assistência psicológica na unidade de diálise busca
o alívio emocional do paciente como também de seus familiares. Nesse sentido, o
psicólogo tem como função entender e compreender o que está envolvido na
queixa, no sintoma e na patologia, para ter uma visão ampla do que está se
passando com o paciente renal crônico, para que possa auxiliá-lo no
enfrentamento desse difícil processo, bem como dar à família e à equipe de
saúde subsídios para uma compreensão melhor do momentum de vida da pessoa
enferma.
Assim, o psicólogo como membro da equipe de uma
unidade de diálise tem, que observar e ouvir com paciência as palavras e
silêncios, já que este profissional é quem mais pode oferecer, no campo da
terapêutica, a possibilidade de confronto do paciente com sua angústia e
sofrimento na fase de doença e tratamento, buscando superar os momentos de
crise.
O atendimento psicológico na unidade de diálise tem
ainda como finalidade vivenciar junto ao paciente renal crônico seus conflitos
frente a sua nova condição de ser, escutando suas experiências, despojando-se
dos condicionamentos e predisposições inerentes da condição humana. Nesse
atendimento, o psicólogo poderá avaliar o grau de comprometimento emocional
causado pela doença e pelo tratamento, proporcionando condições para que o
paciente possa desenvolver ou manter capacidades e funções não prejudicadas
pela doença.
Assim, ao favorecer ao paciente a expressão de seus
sentimentos sobre a doença e tratamento, situações por sí só mobilizadoras de
conflito, o psicólogo facilitará também a ampliação das estratégias adaptativas
do paciente, neutralizando ou minimizando o sofrimento inerente ao ser e estar
doente com insuficiência renal crônica.